quarta-feira, junho 15, 2011

A Nova Rainha (God Save Sharon Jones)


Certa madrugada, insone, zapeei por vários canais da TV à cabo até que me deparei com o programa do David Letterman. Ele estava começando a apresentar um número musical, mas nem prestei atenção no nome de quem iria executar alguma canção. De repente, me aparece uma mulher negra acompanhada de uma banda enorme...eu não tinha a menor idéia de quem era ela ou do que eles tocavam. Até que começou o trio de metais, com um fraseado em tom de preparação, acompanhado da banda inteira. E finalmente ela soltou a voz. A música era “I Learned The Hard Way”. Até então eu não sabia que seu nome era Sharon Jones, acompanhada dos ótimos The Dap Kings. Fiquei encantado. Encantado não, maravilhado. Numa madrugada sem esperança de encontrar algo melhor, achei uma pepita no meio de um oceano tão árido de bons artistas no mainstream. Corri para anotar o nome da cantora e da banda logo que o apresentador os repetiu, ao final da apresentação. No dia seguinte corri para a internet e descobri que havia um disco com o mesmo título da música que eu ouvira na noite anterior. Abri os sites de compra pela internet e não havia disponibilidade. Confesso que tive que baixar o disco para ouvi-lo, face ao esdrúxulo mercado fonográfico nacional, que se preocupa muito com a vendagem do que é fácil e rápido de ser absorvido pelo povo em detrimento da qualidade. Em uma palavra: emocionante. Há tempos não escutava um som tão bom, parecia vindo diretamente dos anos 1960, com uma roupagem estilo Motown. Ouvi pérolas como “Better Things”, “Money” e “Mamma Don’t Like My Man”. Ouvi o disco todo e não reparei nada que o desabonasse. Nada. Um primor, um deleite. Uma voz arrasadora de uma ex-agente penitenciária, nascida na Georgia, que do ostracismo dos anos 70 passou a notoriedade a partir de 2010, com seu último disco. Ganhou um empurrãozinho de Amy Winehouse, que também já gravara com os Dap Kings, e seu disco lá fora e sua turnê vão muito bem. Ontem assisti ao seu show aqui no Rio de Janeiro. Ingressos na mão, cadeiras numeradas em meio ao BMW Jazz Festival. A abertura do evento foi do ótimo Marcus Miller e de sua banda, que realizaram um show sensacional. Mas eu não tinha a idéia do que estava por vir. Já escutara e lera que em São Paulo a cantora teria arrasado com sua banda. E não foi diferente aqui. Um estrondo! Não consegui ficar sentado, não consegui ficar parado. Era puro Soul. Soul com letra maiúscula, como há muito não escutava ao vivo. Eu a apelidei de “James Brown de saias”, e exatamente no bis ela declarou que tanto ela quanto a banda sofriam grande influência do saudoso performer, tocando logo em seguida uma de suas músicas, “It’s a Man’s World”. Um desfecho apoteótico de um show emblemático, que nunca esquecerei. Sharon Jones transformou o Oi Casagrande numa grande igreja, e nós, os devotos, a obedecíamos estarrecidos por sua qualidade e controle sobre todas as coisas. É, definitivamente, uma artista completa, engraçada, de voz potente e afinadíssima, de uma energia estonteante. Uma artista que, aos 55 anos de idade, alimenta a nossa alma, nos deslumbra com sua vitalidade sobre o palco. Uma artista que não se deixou abater pelo tempo, mostrando que aprendeu pelo caminho tortuoso, e que agora, depois de tantos anos, nos dá vários presentes: sua voz, sua música, sua lição. Amém!

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